Em uma tradução inédita do filósofo francês Denis Diderot, pesquisadora da Unesp aborda a importância da esfera pública para a fruição artística e para a gênese da crítica de arte.
De Jornal da Unesp – Leia a matéria completa aqui.
Em uma tradução inédita do filósofo francês Denis Diderot, pesquisadora da Unesp aborda a importância da esfera pública para a fruição artística e para a gênese da crítica de arte
m resgate artístico-literário inédito no Brasil e alguns dos desafios da arte da tradução estão reunidos e detalhados no livro em formato digital intitulado “O Passeio Vernet”, organizado pela professora Flávia Falleiros, do câmpus de São José do Rio Preto da Unesp. Essa é a primeira tradução do francês diretamente para a língua portuguesa de um fragmento bastante conhecido da crítica de arte do filósofo francês Denis Diderot (1713-1784), um dos notáveis do Iluminismo, movimento intelectual do século 18 centrado na ciência, na razão, na tolerância religiosa e na liberdade em oposição ao Absolutismo e aos dogmas da Igreja Católica.
Escrito em 1767, “O Passeio Vernet”, sugere uma caminhada pelos quadros do pintor francês Claude Joseph Vernet (1714-1789). A tradução foi feita sob orientação de Falleiros por Letícia Iarossi, formada no curso de Letras com bacharelado de tradutor, e contou com o apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp).
A tradução é precedida por um ensaio de autoria da docente da Unesp, intitulado “Arte, natureza, religião e sociedade”. “Nele, eu abordo o nascimento da estética no século 18; falo da importância da esfera pública burguesa para a fruição artística e para a gênese da crítica de arte; trato também do papel essencial das bienais de pintura para a formação de um público apreciador de arte – é bom lembrar que as exposições bienais de pintura, tanto quanto a crítica de arte, são uma invenção do século 18; e, por fim, faço uma análise do fragmento traduzido que é um belo texto híbrido, misto de narrativa, descrição e reflexão filosófica”, explicou a pesquisadora do Instituto de Biociências, Letras e Ciências Exatas (Ibilce) da Unesp em São José do Rio Preto.
O trabalho, que terá distribuição gratuita, contém também um glossário com termos de pintura, filosofia e teoria literária, diversas notas de rodapé e algumas reflexões sobre as dificuldades de traduzir um texto do século 18. Traz ainda reproduções de seis telas de Vernet. “[O livro] pode interessar a pesquisadores e estudantes de mais de uma área do conhecimento: não só da teoria literária, que é a minha área, como também a quem estuda história da arte, estética ou tradução”, afirma a pesquisadora.
Lançamento
O livro será lançado na próxima sexta-feira, 21 de maio, por meio da plataforma Zoom e do YouTube, com a participação de Michel Delon, professor emérito da Universidade de Paris IV (Sorbonne Université), um dos principais estudiosos de literatura francesa do século 18. Nas palavras da professora,
“O Passeio Vernet” poderá ser baixado na internet em formato e-pub ou PDF, no site da editora que o publica (Editacuja). A publicação do livro recebeu recursos do Programa de Excelência Acadêmica da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), por meio do Programa de Pós-Graduação em Letras do Ibilce. Na breve entrevista a seguir, a professora Flávia Falleiros çomenta essa pesquisa.
Jornal da Unesp: Quais são as reflexões feitas no livro “O Passeio Vernet” sobre as dificuldades de traduzir esse texto do século 18?
Flávia Falleiros: A tradução do excerto de Diderot trouxe diversas dificuldades, sendo a primeira delas decorrente do distanciamento temporal em relação ao momento em que foi escrito “O Passeio Vernet” (o texto foi escrito em 1767). As línguas são vivas e se modificam com o passar do tempo, sujeitando-se a transformações de natureza lexical e gramatical. Nesse sentido, a tradução colocava o desafio de trazer do francês do século 18, para um leitorado do século 21 numa sociedade muito diversa daquela em que o original foi escrito, um conteúdo que pudesse continuar atrativo. A essa dificuldade, soma-se a natureza peculiar dos textos de Diderot: trata-se de um filósofo e, sejam quais forem os assuntos sobre os quais escreve, ele sempre reflete filosoficamente, integrando a seu léxico conceitos da filosofia próprios do tempo histórico em que viveu. Outra dificuldade, enfim, diz respeito ao estilo de Diderot nesse texto, repleto de frases longas, pontuadas de modo muito peculiar. Essas foram as maiores dificuldades colocadas por esse trabalho de tradução.
Jornal da Unesp: Como vê a importância da tradução literária nos dias de hoje?
Flávia Falleiros: A tradução literária tem um papel muito importante para a sociedade, talvez mal reconhecido. Não somente nos permite romper com as fronteiras linguísticas, como ainda, no caso de textos mais antigos como este de Diderot, com barreiras temporais, dando-nos acesso a ideias, costumes e modos de vida desconhecidos em nosso tempo. Assim, a tradução literária tem uma função de natureza cultural e social, pois se dirige a um público preciso, um leitorado letrado e culto. A tradução de um autor clássico, como é o caso de Denis Diderot, é importante também para a renovação da linguagem literária.
Jornal da Unesp: E qual é o interesse nesse trabalho para tradutores e futuros tradutores?
Flávia Falleiros: Do ponto de vista de seu interesse para alunos de tradução, pode ter virtudes educativas, na medida em que mostra o papel essencial e incontornável dos estudos literários para uma formação humanista, que não fique restrita unicamente ao universo da tradução técnica. O objetivo da publicação, nesse formato não comercial, é o de atingir o mais amplo público possível, inclusive, claro, os tradutores.